Entrevista a Cláudia Raposo Correia

19-06-2018 22:42

A advogada concede uma extensa entrevista ao OLHAR DIREITO sobre os problemas da justiça, nomeadamente aqueles que estão relacionados com a morosidade processual, o acesso de todos os cidadãos e a constante violação do segredo de justiça, sendo que, neste assunto Cláudia Raposo Correia entende que não se deve ter mão dura para os prevaricadores, sejam funcionários judiciais ou outros agentes. No final, uma resposta muito interessante relativamente à utilização das novas tecnologias no sector.

 

"Não acredito que a aplicação de penas mais severas seja a única forma de prevenir a violação do segredo de justiça"

 

Quais são os principais problemas da justiça?

Os problemas da justiça em Portugal, infelizmente, não são novos, já que, falar de morosidade e de elevados custos de acesso é apenas uma forma de não abordar, em concreto, os verdadeiros problemas da justiça. Em Portugal as questões relacionadas com a justiça não se colocam apenas a montante. Um sistema judicial sobrecarregado, com um número reduzido de juízes e funcionários judiciais nunca poderá contribuir para uma "boa justiça". Por outro lado, temos que olhar para a justiça em Portugal a jusante e perguntar, por exemplo, se o sistema prisional em Portugal serve para a reabilitação de um condenado ou se existem políticas sérias de integração e formação.

Como se combate a lentidão e morosidade processual do sistema judicial?

Criando sistemas alternativos aos tribunais que efectivamente respondam às necessidades dos cidadãos, dotando-os de meios humanos e técnicos suficientes, apostando na formação e qualificação de funcionários públicos, além de criar ferramentas tecnológicas úteis, rápidas, e intuitivas para serem implementadas nos serviços, mas também que permitam retirar tarefas morosas, repetitivas e que não necessitem de análise humana das secretarias dos tribunais.

O que é necessário melhorar para a justiça portuguesa ser acessível a todos?

Criar um sistema de apoio judiciário eficaz, de concessão do benefício com uma análise casuística, objectiva e justa, e não de aplicação cega de critérios qualitativos e quantitativos.

Existe desigualdade entre os agentes da justiça, nomeadamente no cumprimento dos prazos?

Não se trata de desigualdade, mas permitir uma análise cuidada do decisor, que não se compadece com prazos curtos como os de que gozam os advogados.

O segredo de justiça continua a ser um valor fundamental?

Sem dúvida. Continua e deve ser respeitado sob pena de se deixar de conseguir garantir uma investigação criminal eficaz e a protecção da vida privada das pessoas envolvidas.

A única forma de evitar a violação do segredo de justiça passa por aplicar penas mais duras?

Não acredito que a aplicação de penas mais severas seja a única forma de prevenir o segredo de justiça. Em primeiro lugar, deve ser garantida a consciencialização(de qualquer interveniente no processo) da sua importância e das consequências da sua violação, e por outro lado, criar mecanismos de reporte hierárquico de acesso indevido ou desnecessário a processos.

O funcionamento da justiça continua dependente das constantes mudanças governativas?

Não pode estar dependente das mudanças de governo. O poder executivo tem o dever de melhorar os problemas da justiça.

A tecnologia pode afectar a empregabilidade no sector?

Apesar de ser possivel aplicar a contratação inteligente em vários sectores da actividade, não me parece que tenha impacto na empregabilidade. As tecnologias trazem novos desafios ao direito. O exercício da profissão impede que se apliquem algumas ferramentas, como a incapacidade de uma máquina de interpretar conceitos subjectivos, como os de negligência e erro. A tecnologia vai afectar a formação de advogados.